Quando o localismo vira anti-jornalismo

REPRODUÇÃO: GLOBOESPORTE.COM

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Na noite de hoje o goleiro Aranha, do Santos, voltou a Arena Grêmio depois da partida de ida da Copa do Brasil, onde um grupo de torcedores o atacaram com ofensas racistas, que nunca é demais lembrar que se trata de um crime. O torcedor, quando em grupo, é um ser quase sempre ignorante. A torcida do Grêmio ajudou a mostrar isso. As vaias sempre que o goleiro do Santos pegava na bola mostraram que acharam um culpado pela punição ao clube na Copa do Brasil, por mais que não faça sentido, uma vez que o clube foi punido pro atos racistas que não partiram do goleiro.

Mas teve coisa pior, muito pior. Há quem defenda um excesso de localismo no esporte o famoso “vamos subir!” quando o time da cidade está perto do acesso e outras coisas do tipo, que também acho interessante, em certas ocasiões. Mas não dá para vestir a camisa de um clube na hora do trabalho. Ou melhor, não dá para fazer jornalismo vestindo a camisa de um time.

Isso ficou claro na partida entre Grêmio x Santos. Várias das perguntas feitas ao goleiro Aranha tentavam diminuir o que aconteceu na partida anterior. A troco de quê? Não sei. Alguém, que não identifiquei, perguntou para o santista porque seria diferente as vaias na partida de hoje com vaias feitas em outra ocasião. A resposta não poderia ser outra: “foi diferente por tudo o que aconteceu”.

Isso. Ele foi visto como inimigo por ter sido agredido. É o ódio contra o agredido mais do que contra o agressor, algo que é visto no Brasil em outros tipos de crimes também. E pelo o que pode ser visto hoje, alguns profissionais da imprensa decidiram vestir o manto de “vítima de perseguição” que muitos torcedores gremistas estão vestindo. Poderiam usar o tempo que usam tentando diminuir a agressão discutindo maneiras mais eficientes de eliminar o racismo dos estádios e, porque não, da própria sociedade.

Racismo no estádio não é culpa apenas das autoridades

Foto: Alex Caparros/Getty Images

Foto: Alex Caparros/Getty Images

O estádio de futebol aparenta ainda ser visto pela justiça brasileira como um local à parte. Os crimes cometidos ali dentro não são tratados como são os crimes cometidos do lado de fora. Para piorar, nas poucas vezes que algo é tratado com rigor, as punições vem em grupo: para o clube ou para uma torcida especifica. Não que as torcidas que permitem isso e os clubes que fingem tentar coibir não mereçam punição. Mas quando a punição individual não acontece, a sensação de impunidade prevalece. O torcedor tem nome, sobrenome, CPF, direitos e deveres.

Muitas pessoas que frequentam os estádios não se sentem um indivíduo lá dentro. Lá ele não é João, Maria ou José. É torcida A, B ou C. Se isso serve para fazer uma festa mais homogênea, sincronizada e bela, serve para abrigar e esconder criminosos e preconceituosos. Serve para fazer muitas pessoas não se sentirem responsáveis pelos seus atos.

O que os clubes e a CBF fazem parem frear a violência e o racismo nos estádios? De medidas práticas, nenhuma. A justiça quando não investiga, individualiza os atos e punem, também não ajudam. Mas o problema não está só com eles.

Qual vai ser a sua atitude se um grupo de torcedores ao seu lado começar a imitar sinal de macaco? Não, nunca são todos os torcedores do estádios que praticam esses atos. Não foi assim na quarta também. Foi um grupo que ofendeu o goleiro Aranha, do Santos, mas o que os demais fizeram? Vaiaram? Mandaram parar? Chamaram a atenção dos policiais? Ou apenas se dividiram entre os que acompanharam o coro ou se calaram?

Se um torcedor jogar uma garrafa no campo, os outros torcedores pegam essa pessoa e a leva para a polícia fazer a identificação, afastando assim a possibilidade do clube ser punido pelo ato. O mesmo tem que ser feito em casos de brigas e ofensas racistas. A denúncia tem que a partir da própria torcida, se ela não quiser ficar marcada como uma torcida racista. Esses torcedores que xingaram Aranha não conhecidos de alguém e cadê a identificação deles? A conivência dos torcedores comuns é um dos combustíveis para muitas das coisas ruins que vêm das arquibancadas.

Estádios dificultam ida do torcedor, como resultado, públicos diminuem

Foto: Fernando Prandi

Foto: Fernando Prandi

A Pluri Consultoria fechou um relatório de mais de 60 páginas com muitas informações e rankings de público e renda no futebol brasileiro do ano passado, onde leva em conta as quatro divisões do Campeonato Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, Sul Americana, Recopa, Copa do Nordeste e 25 campeonatos Estaduais da primeira divisão. Como era esperado, houve diminuição em praticamente todas as competições. Puxada pela participação dos clubes brasileiros na Libertadores, a média total teve 1% de aumento, e o futebol brasileiro fechou o ano com média de 4.721 pessoas por partida. Porém, 11 estaduais tiveram média abaixo de mil torcedores por partida. Como há estádios muito pequenos em cidades muito pequenas, é muito melhor usar o índice ocupação dos estádios, o que teve uma diminuição e ficou em 26%. Santa Catarina registrou o 11º melhor índice com taxa de ocupação média de 28,1% e média de 3519 torcedores por partida. Em arrecadação despenca pra 17º, faturando em média R$ 48,8 mil por jogo. Na proporção entre público total no estádio em relação a população da cidade, as equipes catarinenses que disputaram as duas primeiras divisões do Brasileirão estão bem. Criciúma ficou em terceiro lugar no país com 170,8% na relação público total por população, com Chapecó em 10º, Floripa em 12º e Joinville em 22º.

Como os números aqui em Santa Catarina não são tão ruins vou pegar alguns dados já desse ano em grandes centros. O maior público do Santos esse ano foi de pouco mais de 8 mil torcedores num clássico contra o Corinthians. É a equipe de melhor campanha no estadual mais importante do país. Mas a média vem caindo ao longo das rodadas. São muitos os motivos para isso, que vão além de violência, ingresso caro e péssimos horários. Alguém realmente se espantou com o público de 375 pagantes para Flamengo x Bonsucesso às 22h de quarta-feira de Cinzas, em Volta Redonda, depois de um temporal? Já era um dia que não deveria nem ter futebol, mas não vou entrar nessa discussão.

O ingresso está caro, principalmente nos estaduais, onde os clubes que estão disputando outras competições usam equipes mistas, reservas ou até de categoria inferior nesses estaduais. Mas não baixam o preço do ingresso ou fazem pequenos descontos. Quando um time não coloca sua força principal numa partida, ele está deixando claro que esse jogo não é importante. Fica difícil assim convencer um torcedor a pagar R$ 40 ou R$ 60 já que a partida não importa. Alguns horários também não ajudam como 22h durante a semana, onde muitas cidades sequer possuem ônibus ou metrô depois da meia-noite.

Há também uma mudança no perfil dos torcedores e no status de um estádio. Houve uma época que se havia a necessidade de ir ao jogo ou ouvir no rádio para acompanhar uma partida. A oferta de transmissão na TV era menor e nunca para a cidade sede do jogo. Hoje isso não existe. Você pode acompanhar pela internet, assistir em casa ou ir num bar com amigos para ver o jogo e tomar uma cerveja, que é proibida no estádio. Se não há a necessidade de ser ir ao estádio, a pessoa vai por prazer, por vontade. Partidas ruins, desorganização e falta conforto espantam muita gente. Para quem não é fanático, é fácil tirar a dúvida entre pagar R$ 40 para ficar no sol forte ou na chuva e ir para o bar.

Quando se pensa em valor de ingresso, muitas vezes ele é pensado como algo isolado. E aí, nem parece caro. Mas não se calcula os outros gastos que fazem parte de uma ida ao estádio numa cidade grande. Se paga o que consome lá. Tem também o estacionamento ou o transporte público utilizado. Quem leva a família ao campo não deveria pagar pelo ingresso individual o que paga uma pessoa que foi sozinha. Mas como somos o país da corrupção, os clubes não adotam essa medida que aumentaria o lucro dos cambistas.

Sobre as dificuldades que os próprios clubes colocam para se ir a um jogo, dou um exemplo pessoal. No último domingo estava curtindo minhas férias em Santos e visitando parentes quando decidiram ir a Santos x Oeste. Também fui e já quase quebrei a cara do lado de fora. Como não tinha me preparado para ir ao jogo, ia ficando de fora. As bilheterias da Vila Belmiro só aceitam pagamento em dinheiro. Mas pegando emprestado consegui pagar. Há também uma inversão sem sentido para se ir a um jogo. Deveria ser muito fácil comprar um ingresso e difícil entrar. No Brasil é o contrário. Para se comprar ingresso antecipado nas bilheterias você precisa levar os documentos de quem vai entrar. Se você for comprar pra você e mais uns amigos, tem que ter documento de todos eles na hora da compra. Se algum deles for de meia entrada, além do RG, tem que levar a carteirinha de estudante dessa pessoa. Tudo isso para poder comprar um ingresso. E sei lá porque, nada disso é exigido na hora de entrar. Quem tem moto sem caixa passa por outro problema. Não se pode entrar com capacete no estádio, mas não há nenhuma guarda-volumes para se deixar o capacete. Isso sem falar que em muitos lugares implicam com coisas como guarda-chuva, radinho de pilha e até espetinho de gato. São pequenas coisas, mas que vão minando a vontade de alguém assistir ao jogo do estádio.

Os fanáticos e apaixonados por seus clubes nunca deixaram de ir. Mas tem se afastado os demais público, aquele que até gosta de futebol e do time, mas não é de fazer loucuras. Ir a um estádio tem que ser uma atividade boa, tem que ser a melhor ou uma das melhores opções para se ver um jogo e não um sacrifício. Como já falei, não há mais a necessidade de ir a uma partida, há vontade e os clubes precisam entender isso. A experiência de ser ver um jogo do estádio precisa ser melhorada e, principalmente, tem que ser facilitada a ida. Há pouco profissionalismo nessa área e o resultado se vê quando a câmera mostra a arquibancada.

Como ganhar de um time que não erra?

REUTERS/Kim Kyung-Hoon

Um dos principais segredos para  se ganhar uma partida de futebol é saber aproveitar os erros do adversário. Aproveitar os buracos no posicionamente e não desperdiçar as chances criadas.

Durante o sensacional primeiro tempo do Barcelona na final do Mundial de Clubes, hoje pela manhã contra o Santos, me perguntei: como ganhar de um time que não erra? Os erros do Barcelona aconteceram apenas no segundo tempo com a partida já ganha, quando o time abusou de brincar, mesmo assim, os erros podem ser contados nos dedos.

Cheguei a uma conclusão. NÃO SE GANHA. Se perde e se aprende como jogar.

O jogo que eu perdi

Alguns jogos que assistimos nos marcam para sempre. Alguns jogos que perdemos também. O Santos 4 x 5 Flamengo desta noite entra para essa segunda lista, onde tem jogos como a primeira final do Catarinense de 2000 entre Marcílio Dias e Joinville, de jogos que por alguém motivo perdi a chance de ver pessoalmente. Ou melhor, desperdicei a chance de ver.

Não sei porque deixei de ir ao estádio Dr. Hercílio Luz naquele Marcílio x JEC de 2000. E tento agora pensar porque não vi esse jogo entre Santos e Flamengo, um dos melhores nos últimos anos no Brasil. De férias do jornal, estava em Santos, da onde voltei segunda-feira. Antes de voltar ainda pensei em trocar a passagem para quinta-feira e ir para a Vila Belmiro, mas acabei voltando.

O Santos deu pintas de que ia fazer uma goleada histórica abrindo 3 a o com dois gols de Borges e uma pintura de Neymar (talvez o gol mais lindo do ano). O Flamengo diminuiu em falha absurda do goleiro santista e depois marcou outro com Thiago Neves. Elano perde um pênalti bizonho e aí o Flamengo se agiganta. O Santos, com exceção de Neymar, se encolhe, e a partida muda. Deivid empata. No começo do segundo tempo, Neymar faz mais um e aí para. Inspirado, Ronaldinho faz mais dois, completando a virada histórica.

Deixei de ver Neymar e uma de suas melhores atuações. Deixei de ver o Ronaldinho Gaúcho fazendo sua melhor partida até aqui com a camisa do Flamengo, lembrando os bons tempos de Barcelona. Deixar de ver um jogaço, de nove gols, algo raro no futebol brasileiro de hoje contaminado com a preocupação excessiva pela marcação, onde muitas vezes se esquece de tentar fazer o gol. Por algum motivo que agora nem me vem a cabeça, perdi a chance de ver um dos melhores jogos que eu teria visto pessoalmente.